Uma proposta em análise no Senado Federal pode adicionar à estrutura do Judiciário um foro especializado para julgar as contendas esperadas em função da reforma tributária, que começa a vigorar no ano que vem. A medida, que visa facilitar a resolução dos conflitos, é vista como necessária por tributaristas, mas deverá aumentar os custos da Justiça, onerando os cofres públicos e o bolso do pagador de impostos.
Elaborada por um grupo coordenado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a proposta de emenda à Constituição (PEC) prevê a criação de um foro nacional 100% virtual, composto por juízes e desembargadores das Justiças Federal e estadual para julgar questões envolvendo os tributos instituídos.
Com a reforma foram unificados, através da CBS, os tributos federais IPI, PIS e Cofins, e, por meio do IBS, o ICMS (tributo estadual) e o ISS (tributo municipal). A CBS e o IBS começam a vigorar em 2026, mas os tributos antigos só deixarão de existir em 2033. Durante esse período, eles coexistirão, o que levanta dúvidas sobre o foro competente para julgar disputas tributárias.
Atualmente, essas questões são julgadas de acordo com a natureza do imposto em uma das esferas da Justiça. A reforma, porém, muda também o critério de cobrança do local de origem para o local de destino, o que significa que, para uma mesma operação comercial, a CBS teria como foro a Justiça Federal do local de origem da empresa, enquanto o IBS teria como foro a Justiça Estadual do local de destino do consumidor.
“Essa multiplicidade poderia gerar ações simultâneas em diferentes foros, com decisões conflitantes e atrasos nos julgamentos”, afirma Paolo Stelati, advogado tributarista e sócio do Bornhausen & Zimmer Advogados. Por isso, para ele, a proposta de uma justiça especializada faz sentido.
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Janssen Murayama, do Murayama & Affonso Ferreira Advogados, também avalia necessária a unificação do foro. “Como estamos lidando com dois tributos que compartilham o mesmo fato gerador e benefício passivo, não poderia haver decisões divergentes entre eles”, diz.
O novo foro, segundo ele, também resolve a centralização dos casos na Justiça Federal. “Normalmente, a Justiça Federal atrai essas causas quando há interesse tanto estadual quanto federal, e isso preocupa, porque todas as questões acabariam centralizadas lá”, diz. “A justiça especializada permite que haja uma única ação para os dois tributos, sem a necessidade de mover duas ações distintas, o que provavelmente reduzirá o volume do contencioso tributário.”
A proposta estabelece duas instâncias em ambas as esferas de justiça: uma de varas tributárias compostas por juízes (1.ª instância), e outra com turmas formadas por desembargadores (2.ª instância). “A presença de desembargadores estaduais e federais garante paridade e evita julgamentos parciais, em favor da União ou dos estados”, afirma Murayama.
Risco é foro virar “supertribunal” de Justiça
Apesar dos benefícios, os especialistas veem obstáculos e desafios para implementar a proposta. Entre eles, destacam-se eventuais dificuldades tecnológicas e custos na implementação do foro virtual, os desafios para os magistrados em conciliar o foro nacional com suas funções nos tribunais de origem, e a complexidade adicional durante o período de coexistência dos tributos antigos e novos, entre 2026 e 2033.
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A principal desvantagem do projeto, no entanto, é o aumento de despesas com o Poder Judiciário. “Haverá gastos adicionais ao Judiciário, mas é a via mais adequada para garantir um contencioso compatível com a reforma e menos oneroso ao jurisdicionado”, acredita Flávia Holanda Gaeta, sócia-fundadora do FH Advogados e especialista em Direito Tributário e Aduaneiro.
Stelati admite que é “improvável a manutenção do orçamento do Judiciário”, o que vai pressionar os cofres públicos e recair sobre o contribuinte. Ainda assim, ele destaca a eficiência e rapidez das sentenças, “já que o ambiente virtual e estrutura especializada potencialmente irá dar celeridade na análise dos casos”.
Para Murayama, o alto custo é iminente, diante da sobrecarga desse tribunal virtual, para onde irão todos os casos. “Imagina o Brasil inteiro demandando o tribunal para solucionar questões de IBS e do CBS; isso pode gerar a necessidade de aumentar o número de juízes, turmas”, alerta. “Isso poderia transformá-lo em um supertribunal, uma estrutura burocrática e custosa para o país.”
No Congresso, a oposição já sinalizou discordância da proposta. O deputado federal Luiz Philippe de Orleans e Bragança (PL-SP), crítico ferrenho da reforma tributária, classificou a iniciativa como uma forma de “institucionalizar o confisco e calar o Congresso”.
Para ele, o Brasil já é uma “colcha de retalhos de ‘justiças especializadas’, cada uma com seus privilégios, seus feudos e seu distanciamento do povo”. “Política tributária se decide no Legislativo, com voto, debate e prestação de contas”, afirma. “Transferir isso para julgadores de carreira é aprofundar a tirania fiscal que já sufoca o Brasil produtivo.”





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