Quando o papa Francisco dizia que é impossível ser cristão e não dar prioridade aos excluídos, só estava citando o fundador da empresa milenar de que foi CEO nos últimos 12 anos.
Mesmo o então cardeal Joseph Ratzinger (futuro papa Bento 16), em seu combate à Teologia da Libertação, deixava claro que “o escândalo das gritantes desigualdades entre ricos e pobres – quer se trate de desigualdades entre países ricos e países pobres, ou de desigualdades entre camadas sociais dentro de um mesmo território nacional – já não é tolerado” (“Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação”, 1984).
Não é coincidência que tenha vindo da América Latina, a região mais desigual da cristandade moderna, um papa que desse prioridade à luta contra esse escândalo específico.
Francisco também promoveu um salto na reflexão católica sobre o meio ambiente, que papas recentes (citados na encíclica) já vinham enfatizando.
Contra os que interpretam a instrução de Gênesis 1:28 como licença para o homem fazer o que quiser com a natureza, a Laudato Si lembra que Deus colocou o homem no Éden “para cultivá-lo e guardá-lo” (Gênesis 2:15). O documento final do Sínodo da Amazônia terminou com um apelo a “Maria, mãe da Amazônia“, para que “a vida plena que Jesus veio trazer ao mundo chegue a todos, especialmente aos pobres”, e para que a igreja tenha “rosto amazônico” e “saída missionária”.
Francisco também realizou um ajuste pequeno, mas importante, na discussão da igreja sobre a comunidade LGBT. Admitiu a possibilidade de padres católicos abençoarem casais LGBT e casais formados por pessoas divorciadas. Em repetidos pronunciamentos, pediu que os católicos não julgassem os LGBT, mas procurassem antes de tudo amá-los.
Não foi a aceitação plena dos LGBT que católicos de esquerda como eu desejariam. Mas foi importantíssimo por mostrar qual exatamente é o tamanho dessa questão dentro do cristianismo. Quando Francisco disse “quem sou eu para julgar?” sobre os homossexuais, não estava se declarando incapaz de condenar algo que, oficialmente, ainda é pecado. Afinal, Francisco julgou muita coisa: a miséria, a degradação ambiental, a desigualdade.
Estava tirando o foco de uma pauta que ocupa um lugar completamente desproporcional no discurso de movimentos políticos que se dizem cristãos. A homofobia como política funciona porque vende ao eleitor uma forma de se afirmar cristão condenando o desejo dos outros, não o próprio. E os LGBT são convenientemente minoritários na sociedade, de modo que o voto que se ganha entre a maioria hipócrita mais do que compensa o voto que se perde na minoria perseguida.
A maior parte da Bíblia é sobre pecados que todos cometemos, mas é difícil se eleger lutando contra os pecados da maioria. É melhor mentir, como faz a bancada fundamentalista, que a Bíblia é basicamente um livro falando mal da Pabllo Vittar.
Francisco fez uma bem-vinda mudança de foco para os pecados da maioria, o consumismo, a indiferença diante da miséria, a depredação da criação. Defendeu os pobres, e os mais pobres entre os pobres; os excluídos, e os mais excluídos entre os excluídos. É o que o Evangelho manda fazer. Se isso pareceu radical no mundo de hoje, o problema é do mundo de hoje.
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