
Enquanto Zeca Pagodinho diz que quer virar CLT, na vida real muitos trabalhadores estão migrando para o trabalho autônomo ou informal. Apesar da propaganda com o pagodeiro, pesquisas demonstram que a renda de trabalhadores com carteira assinada tem crescido em menor proporção quando comparada à daqueles que não têm registro formal.
De acordo com o Ipea, no segundo trimestre de 2025 a renda dos trabalhadores autônomos cresceu 5,6% em relação ao mesmo período de 2024. Entre os que operam na informalidade, sem qualquer tipo de registro, o crescimento foi ainda maior, de 6,8%. Enquanto isso, aqueles com contrato CLT tiveram aumento de 2,3% em seus rendimentos.
Embora a renda média dos celetistas (R$ 3.171) siga superior à de autônomos (R$ 2.955) e informais (R$ 2.213), no segundo trimestre deste ano os ganhos dos sem carteira atingiram o maior nível desde o início da série histórica, em 2012.
O pesquisador do Ipea Sandro Sacchet de Carvalho avalia que um dos fatores que explicam o crescimento da renda desse segmento é o fim da pandemia, já que durante os períodos de isolamento o grupo dos autônomos e informais foi o mais afetado e o que mais perdeu renda.
Ele explica que, para os trabalhadores CLT, há uma série de regras a serem cumpridas em caso de dispensa. Assim, no período da pandemia, as maiores baixas ocorreram entre os autônomos e informais, que não acarretam custos ou perdas para os empregadores.
Segundo Humberto Aillon, especialista da Fipecafi, o aumento da renda entre os trabalhadores sem carteira assinada deve persistir por um período mais longo e se consolidar como uma nova realidade no Brasil, pois diversos setores da economia, especialmente os que têm apresentado altas taxas de alocação e contratação, optam por modelos que trazem maior eficiência tributária e em encargos trabalhistas.
Trabalhadores formais implicam em maior carga tributária
O presidente do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), João Eloi Olenike, avalia que a diferença no crescimento da renda deve-se à flexibilidade dos trabalhadores autônomos e informais, em contraponto à rigidez dos formais, agravada pela carga tributária que onera as empresas que optam pelo regime CLT.
“A carga tributária elevada [32,3% do PIB em 2024, segundo o Tesouro] impacta as empresas, contribuindo indiretamente para o crescimento mais lento da renda CLT”, pontua. A alta carga tributária reduz a capacidade de reajustes salariais, especialmente em um cenário de Selic alta.
Olenike explica que, no regime CLT, as empresas arcam com encargos como FGTS (8%), INSS patronal (20%) e contribuições previdenciárias, que representam de 40% a 50% do custo total de um salário (CNI, 2025).
Pejotização impulsiona crescimento de renda de autônomos
Uma das saídas buscadas pelos empregadores para driblar a carga tributária é a chamada pejotização. Sandro Sacchet, do Ipea, comenta que a prática ganhou impulso com a criação do regime do Microempreendedor Individual (MEI).
Segundo o pesquisador, os profissionais que adotam o MEI tendem a ser mais qualificados e, portanto, a ter uma renda mais alta, elevando a média dos autônomos. “Ele continua trabalhando com uma empresa, mas disfarçadamente a empresa pede que ele seja MEI. Então, ele acaba sendo classificado como autônomo e, na verdade, deveria ser um trabalhador com carteira”, explica.
Pejotistas geram menos encargos trabalhistas
Para os empregadores, a solução é atraente, pois na prática a contratação de um MEI “fixo” mantém um trabalhador com horários e obrigações semelhantes às de um CLT. Com um salário proporcionalmente maior, mas sem os encargos trabalhistas, acaba sendo mais barato contratá-lo.
Para Aillon, da Fipecafi, essa economia pode ser revertida em novos investimentos, seja em tecnologia ou mão de obra, o que afeta positivamente a economia. Um dos setores intensivos nesse tipo de mão de obra é o de tecnologia, que busca manter a competitividade.
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Trabalhador autônomo é atraído por flexibilidade e renda mais alta
O trabalhador que opta por ser autônomo ou informal pode ser atraído pela flexibilidade e pela renda mais elevada. No entanto, mesmo que o salário seja maior e, no curto prazo, haja aumento no poder de compra, caso não haja planejamento adequado, no longo prazo a conta pode sair alta.
Sacchet avalia que, em casos como esse, o trabalhador deixa de receber 13.º salário, adicional de férias e outros benefícios do regime CLT, além da contribuição para o INSS, o que pode prejudicá-lo mais adiante.
O autônomo que é MEI, porém, tem alguma proteção – como os benefícios previdenciários, uma vez que ele contribui ao INSS.
Efeito farol: aumento do salário mínimo impulsiona aumento da renda
Outro fator que pode explicar o crescimento maior da renda de autônomos e informais é a correção anual do salário mínimo. Fernando de Holanda Barbosa, pesquisador da área de Economia Aplicada do FGV Ibre, explica que, mesmo para os autônomos e informais, existe um efeito de sinalização do salário mínimo.
“Antigamente, era chamado de efeito farol, indicando que o mercado de trabalho é afetado diretamente pelo valor do salário mínimo, o que é um fato”, disse.
Sandro Sacchet, do Ipea, também pontua que, muitas vezes, os trabalhadores autônomos acabam fazendo seus pedidos de remuneração com base no mercado formal e no salário mínimo, sendo a metade, o dobro ou um percentual.
Outros fatores que podem justificar o aumento da renda de autônomos e informais
A migração de um setor para outro também pode explicar o aumento maior para os não celetistas. Os trabalhadores por conta própria tendem a mudar de um setor que pagava menos para outro que paga mais.
Uma das razões para esse fenômeno é a mudança de faixa etária. “Uma das possibilidades é que haja menos jovens no mercado de trabalho do que antes, o que provoca um aumento da renda real, porque o trabalhador mais jovem ganha pouco”, explica Holanda, do FGV Ibre.
Segundo o pesquisador, mesmo diante de todas essas hipóteses, um fator segue certo: o nível educacional influencia diretamente a renda. Ainda que, em termos gerais, o nível salarial para as diferentes faixas educacionais não tenha se elevado significativamente no Brasil, o aumento na escolaridade média dos trabalhadores pode levar ao incremento da renda.
Mercado de trabalho está em transição
Holanda sinaliza que a entrada das plataformas de transporte, entregas e de outros serviços, como design e tradução, levou a uma transição no mercado de trabalho. Novamente, o interesse maior por parte do trabalhador é a flexibilidade que o modelo permite.
“As plataformas trazem um benefício intrínseco, já que a pessoa pode controlar o seu ponto, o seu tempo de trabalho. É possível que essa percepção de flexibilidade estimule um crescimento maior desses setores”, avalia.
Dados do IBGE mostram que, entre 2022 e 2024, o número de trabalhadores por aplicativo cresceu 25,4%, passando de 1,3 milhão para 1,7 milhão de cadastrados.
Trabalho por aplicativo é 1,9% da força de trabalho no Brasil
O aumento fez com que, no terceiro trimestre do ano passado, os trabalhadores de plataformas digitais e que prestam serviço via aplicativo correspondessem a 1,9% da força de trabalho no Brasil.
O estudo do IBGE, fruto de convênio com a Universidade de Campinas e o Ministério Público do Trabalho (MPT), ainda está em fase experimental e considera os dados da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios Contínua (PNAD Contínua).
“Plataformizados”: renda total é maior, mas rendimento por hora é menor
Ainda de acordo com os dados do IBGE, no terceiro trimestre de 2024, a renda média dos trabalhadores cadastrados em plataformas era de R$ 2.996, 4,2% acima daqueles que não operam por plataformas (R$ 2.875).
No entanto, os “plataformizados” trabalham, em média, mais horas semanais — 44,8h, contra 39,3h dos não plataformizados. Essa diferença faz com que a renda média por hora dos trabalhadores de plataformas seja inferior à daqueles que não trabalham por plataformas: R$ 15,4 contra R$ 16,8.
Sem reformas, informal pode ser o “novo formal”
Na visão de João Olenike, do IBPT, o trabalho formal está momentaneamente prejudicado em ganhos, mas oferece segurança aos trabalhadores que, por outro lado, podem buscar rendimentos mais altos e flexibilidade.
“Para empresas, os dados indicam contratações híbridas; para pessoas físicas, incentivam o autônomo com planejamento. O Ipea enfatiza a necessidade de desonerações para equilibrar, mas sem reformas, a informalidade pode se tornar o ‘novo normal’”, explica.
                                                                                                                                                
                                                                                                    
				            
				            
				            
				            
                            
                                        
				            
				            
				            
				            
 
			        
 
			        
 
			        
 
			        
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