Os réus Fábio Pirineus da Silva e Aleson Cristiano de Oliveira Fonseca foram condenados nesta sexta-feira (14) pelo assassinato do jovem congolês Moïse Kabagambe, espancado até a morte em um quiosque na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio de Janeiro, em 24 de janeiro de 2022.
O Tribunal do Júri considerou os dois culpados por homicídio doloso triplamente qualificado –por motivo fútil, uso de meio cruel e recurso que impossibilitou a defesa da vítima.
Brendon Alexander Luz da Silva, outro réu no caso, será julgado separadamente após ter tido seu processo desmembrado.
O juiz Thiago Portes Vieira de Souza fez a leitura da sentença por volta das 23h30. Aleson foi condenado a 23 anos e sete meses de prisão em regime fechado, e Fábio a 19 anos e seis meses em regime fechado.
A sentença foi definida após um julgamento que durou dois dias e contou com depoimentos de seis testemunhas, exibição de novas provas e argumentos da acusação e da defesa.
O Ministério Público destacou a brutalidade do crime, mostrando imagens da agressão, que durou cerca de 13 minutos e envolveu mais de 40 pauladas contra Moïse.
Durante o júri, promotores enfatizaram que a família do jovem via o Brasil como uma “segunda casa”, mas encontrou “violência e ódio”.
“A família veio para o Brasil encontrar a paz e aqui encontrou a violência e o ódio”, afirmou o promotor Bruno Bezerra.
O promotor pegou o taco de beisebol usado no crime e bateu o objeto no chão para demonstrar a força dos réus no ataque a Moïse.
A defesa dos réus tentou argumentar que as agressões ocorreram em legítima defesa, numa tentativa de conter Moïse, mas os jurados não acataram essa tese.
Imagens inéditas do crime foram apresentadas pela Promotoria, reforçando a participação dos condenados.
O vídeo exibido pela promotora Rita Madeira durante o júri mostrou quando Brendon Silva —que não foi julgado nesta sexta— posa para uma foto enquanto aplica um golpe em Moïse, preso entre suas pernas, imobilizado e aparentando estar já desacordado. Brendon Silva faz um sinal de “hang loose” com a mão.
Além disso, a Promotoria apontou que Fábio Pirineus, condenado no caso, teria limpado a câmera do celular e feito a foto do momento com o flash ativado. O registro, segundo os promotores, reforça a frieza dos envolvidos no crime.
Os réus permaneceram de cabeça baixa por quase todo o julgamento.
Por diversos momentos durante a sessão, quando foram exibidas imagens do crime e de Moïse morto, os parentes se emocionaram e precisaram ser amparados. Por vezes, os parentes retiraram o irmão mais novo de Moïse da sala de audiência ou tamparam os olhos do menino de 11 anos para não assistir às cenas.
A 1ª Promotoria de Justiça atuou no julgamento com o suporte do Gaejuri (Grupo de Atuação Especializada do Tribunal do Júri). Essa foi a primeira atuação do núcleo criado em fevereiro.
A advogada Flávia Fróes, que faz a defesa de Aleson Cristiano, alega que “a motivação das agressões que resultaram na morte de Moïse foi a defesa de um idoso que estava sendo covardemente atacado por ele”.
Já a advogada Hortência Menezes, que representa Fábio Pirineus, afirma que seu cliente “nunca teve a intenção de matar Moïse, mas agiu para proteger um idoso indefeso, ameaçado por horas”. Ainda segundo a defensora, “a morte de Moïse não teve qualquer motivação racial, xenofóbica ou trabalhista.
A defesa de Brendon Alexander, que não participou desse júri, nega as acusações.
Dois dias de julgamento
A primeira fase da audiência começou nesta quinta-feira (13) por volta das 12h, com o sorteio dos jurados, sendo cinco homens e duas mulheres.
Na sequência, o primeiro depoimento foi o de Jailton Pereira Campos, conhecido como Baixinho, gerente do quiosque Tropicália, onde Moïse trabalhava e com quem ele se desentendeu antes do ataque.
Ele contou que estava trabalhando no local há apenas dois dias e disse ter presenciado algumas agressões a Moïse, que, de acordo com ele, queria beber sem pagar, já que teria dinheiro a receber por dias trabalhados.
Jailton, segundo o Ministério Público, teria, em seu segundo depoimento à Polícia, contando versões diferentes. Foi questionado sobre isso e disse estar muito abalado na primeira vez que esteve na delegacia.
Vídeos de câmeras de segurança mostraram que ele, no dia do crime, pegou bebidas e atendeu pessoas com o corpo de Moïse no chão, ao lado de onde ele passava. Aos promotores ele declarou que queria chamar uma viatura da PM, mas que Aleson teria dito “deixa pra lá”. Ao ser questionado pela Promotoria sobre a falta de um pedido de socorro à vítima, Jailton afirmou que estava sem telefone e chamou o episódio de “traumático”. Durante seu depoimento, familiares de Moïse demonstraram revolta.
A segunda testemunha a depor foi Maicon Rodrigues Gomes, vigia dos quiosques da praia da Barra. Ele defendeu os acusados e afirmou que a intenção do grupo era amarrar Moïse e chamar a polícia. “A nossa intenção era pegar o Moïse, amarrá-lo e chamar a polícia. A intenção do grupo era essa, mostrar o vídeo para o dono do quiosque, provando que ele estava querendo roubar”, afirmou ao júri.
Carlos Fábio da Silva Muzi, dono do quiosque Tropicália, também foi ouvido. Durante sua fala, foram reproduzidos áudios enviados por Fábio Pirineus logo após o crime. Na mensagem, Pirineus pergunta sobre as imagens do quiosque e afirma que o registro mostraria seu rosto.
“Tem como cancelar a filmagem? Porque se for puxar a câmera, com certeza meu ‘carão’ vai estar lá”, diz o áudio de Pirineus para o dono do quiosque.
Carlos negou que Moïse fosse de causar confusão, mas afirmou que ele costumava beber durante o trabalho e que, no dia de sua morte, parecia estar alterado. O dono do estabelecimento também negou qualquer dívida com o congolês.
A quarta testemunha a depor foi Viviane de Mattos Faria, responsável pelo quiosque vizinho ao Tropicália. Durante o júri, Viviane disse ainda que ouviu a história de que Moïse estaria descontrolado por ter perdido uma companheira e o seu filho durante o parto. A família, contudo, desconhece essa história e nega que ele tivesse namorada.
Também foram ouvidos Matheus Vasconcelos Lisboa, que aparece na imagem pegando bebida, e Luis Carlos Cortinovis, proprietário de uma barraca de praia localizada atrás do quiosque Tropicália.
A sessão foi suspensa na madrugada, por volta das 23h50 de quinta (13), após depoimentos de seis testemunhas e o interrogatório de dois dos réus.
Fábio Pirineus e Aleson Cristiano responderam apenas às perguntas de seus advogados, e se recusaram a falar com o Ministério Público e com o juiz do caso, Thiago Portes Vieira de Souza.
O júri foi retomado nesta sexta-feira (14) com a fase de debates entre o Ministério Público, a assistência de acusação e a defesa. Houve réplica e tréplica. Após essa fase, os jurados se reuniram para deliberar a sentença.

Deixe um comentário