terça-feira , 28 outubro 2025
| Cidade Manchete
Lar Economia Haddad quer acabar com incentivos para painéis solares
Economia

Haddad quer acabar com incentivos para painéis solares


Quem apostou na compra de painéis solares para gerar sua própria energia e reduzir o valor pago na conta de luz pode ter uma surpresa a partir do ano que vem. O Ministério da Fazenda enviou ao Congresso uma emenda à Medida Provisória 1.304, da reforma no setor elétrico, que pode reduzir ou até mesmo extinguir os benefícios de quem gera energia solar e transmite o excedente para a rede distribuída.

Mais que uma redução dos benefícios e consequente frustração das expectativas de investimento dos usuários da rede distribuída, a questão se insere em uma discussão maior sobre a própria sustentabilidade do sistema elétrico nacional, sujeito a sobrecargas, ampla alternância de fontes geradoras nos períodos de pico de consumo, quedas de energia e possíveis apagões.

Segundo especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo, as medidas propostas pela Fazenda ajudam a não agigantar o problema, ao reduzir os benefícios de quem venha a optar pela geração própria. No entanto, não resolvem a questão já existente, que demanda incentivos para armazenagem de energia e para tarifas flexíveis ao público segundo a oferta e o consumo, de modo a gerar mais equilíbrio no sistema.

Redução na conta de luz compensa investimento em painéis solares

Atualmente, os consumidores que instalaram em seus telhados ou quintais sistemas de micro e minigeração distribuída — o nome técnico dado à produção descentralizada de energia por meio de placas solares, por exemplo — têm um sistema especial de contabilização de tarifas. A redução na conta de luz acaba por compensar o investimento feito nos painéis fotovoltaicos.

Donato da Silva Filho, diretor-geral da Volt Robotics, empresa de dados e computação no setor de energia, explica que os usuários da rede distribuída — na qual a micro e minigeração fotovoltaica é inserida — pagam a diferença entre o que consumiram (no fim da tarde e à noite, quando as placas já não geram mais energia) e o que injetaram na rede.

Descontos e isenção para energia solar estão previstos até 2045

Os micro e minigeradores que protocolaram o pedido de conexão à rede de geração distribuída até 7 de janeiro de 2023 operam sob as regras do regime GD1 ou geração distribuída 1. A depender do excedente injetado no sistema, podem ter isenção total na conta de luz.

Isso ocorre porque, além da redução nos custos de geração, transmissão e distribuição, o regime ainda prevê isenção de encargos e impostos cobrados pelos governos federal, estadual e municipal. Ou seja, o GD1 prevê descontos em todos os componentes da cobrança de energia elétrica. Conforme a Lei 14.300/2022, esses benefícios são válidos até 2045.

Há ainda os regimes de GD2, com benefícios reduzidos de forma gradual até 2028, e GD3, que não dispõem de subvenções. Agora, o que o governo pretende fazer com a emenda à MP 1.304/25 é reduzir os benefícios até mesmo para os GD1.

VEJA TAMBÉM:

Governo quer adiantar fim do prazo de isenção e de benefícios

A proposta do Ministério da Fazenda é reduzir gradualmente, começando já em 2026 e indo até 2029, os benefícios concedidos aos usuários do regime GD1. Uma proposição alternativa é manter os benefícios até 2030, em vez de 2045. Segundo cálculos da Fazenda, esses subsídios somam R$ 14,3 bilhões neste e nos próximos anos.

Em nota sobre a MP da reforma no setor elétrico, a Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) afirma que é necessário preservar as regras atuais do marco legal da geração própria de energia renovável (GD), fruto de um acordo recente assinado entre os representantes do setor elétrico, a Aneel, o governo federal e o Congresso Nacional.

“Tanto para a geração renovável centralizada quanto para a distribuída, já está prevista a retirada dos incentivos: para grandes usinas, pela Lei nº 14.120/2021, e para os sistemas de geração própria, pela Lei nº 14.300/2022, cujos cronogramas devem ser mantidos”, traz a nota.

Antecipar fim de benefícios para energia solar traz quebra no planejamento

Donato Filho, da Volt Robotics, afirma que a mudança na extensão dos benefícios traz uma quebra nas expectativas dos usuários que investiram em painéis fotovoltaicos. “A pessoa vai sentir a perda, porque ela tinha uma expectativa com base na lei e pode ter outra regra agora”, disse.

Já antecipando possíveis queixas decorrentes das mudanças no prazo de isenção e de validade dos benefícios, a pasta do ministro Fernando Haddad sustenta que a medida não provocará perdas aos pequenos geradores. Segundo o ministério, o prazo de amortização dos investimentos em painéis solares é inferior a quatro anos.

Na visão da Fazenda, quem adquiriu os painéis e solicitou conexão à rede distribuída até janeiro de 2023 deverá ter quitado os investimentos nas placas fotovoltaicas até o início de 2027. A pasta de Haddad também alega que os painéis tiveram ampla redução em seus custos a partir de 2017 e que, em 2024, o retorno do investimento foi de 48% ao ano.

Sobrecarga na produção e riscos ao sistema: caminho sem saída

Ao defender as medidas, o secretário de Reformas Econômicas da Fazenda, Marcos Pinto, afirmou ao jornal O Globo que uma série de subsídios no setor elétrico “deixaram de fazer sentido”. “Estão distorcendo muito o funcionamento do mercado e levando a gente para um caminho sem saída”, disse.

Atualmente, a micro e minigeração distribuída atingiu 43 GW de potência instalada — o equivalente à capacidade de três usinas como Itaipu. A expectativa é de que alcance 59 GW até 2029.

Entidades do setor de energia — Abradee, Abeeólica, Abrage, Abrace, Abiape, Apine, Anace e Frente Nacional dos Consumidores de Energia — enviaram carta a parlamentares sobre a MP 1.304, nas quais afirmam que a rápida expansão da GD tem alterado de forma significativa o balanço entre carga e geração na rede.

Estratégia de cortes e altas na geração é desafio para o sistema

O aumento da geração por fontes alternativas, como usinas solares, eólicas e a própria micro e minigeração, tem desafiado a gestão do sistema elétrico. No caso da energia solar, o pico de geração e fornecimento para a rede distribuída é durante o dia, quando o consumo pela população é menor. Por outro lado, no fim da tarde e à noite, a geração das solares cai e o consumo aumenta.

Para garantir o equilíbrio na rede elétrica, o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) faz dois movimentos distintos: pela manhã, quando há sobrecarga, envia sinais para que usinas solares e eólicas façam cortes na geração; à noite, quando o consumo aumenta e não há a injeção de energia fotovoltaica na rede, o ONS manda hidrelétricas, termelétricas e outras fontes injetarem mais energia no sistema, para contrabalançar a alta no consumo.

Ao exigir cortes e depois altas acentuadas na geração de energia, essa estratégia acaba por representar um desafio adicional à confiabilidade, à eficiência e ao equilíbrio financeiro de toda a operação, defendem as entidades vinculadas ao setor na carta encaminhada ao Congresso sobre a MP 1.304.

“Estudos recentes do ONS indicam que, mantido o ritmo atual, o SIN (Sistema Interligado Nacional) se aproxima de um limiar crítico de segurança operativa, com cortes de geração que já ultrapassam 20 GW em determinados períodos do dia e risco crescente de instabilidade de frequência e de colapso de tensão”, afirmam as entidades.

“Curtailment” atingiu picos históricos em setembro e outubro

A redução da geração de energia a mando do ONS, para evitar sobrecarga durante o dia, é conhecida no setor como curtailment. Ainda que busque o equilíbrio na rede, o curtailment gera perdas financeiras para empresas donas de parques solares e eólicos, que deixam de produzir e vender a energia gerada. De acordo com relatório da Volt Robotics, em setembro, o Brasil atingiu o recorde histórico em cortes de energias renováveis.

As usinas solares tiveram corte de 37% de seu potencial de geração, com 1,3 mil GWh não gerados e distribuídos e perdas equivalentes a R$ 208 milhões. Entre as eólicas, os cortes chegaram a 23,8%, com quase 3,6 mil GWh cortados e R$ 741 milhões em prejuízo. No total, 4,89 mil GWh deixaram de ser gerados no mês, e o prejuízo dos geradores de renováveis somou R$ 949 milhões.

Ainda segundo a empresa, entre outubro de 2021 – quando os dados do curtailment passaram a ser disponibilizados pelo ONS – até setembro de 2025, a perda total das usinas chega a R$ 7 bilhões. “A situação é insustentável e coloca em risco o segmento de geração renovável do Brasil”, afirma o relatório.

Medidas da Fazenda não resolvem o problema atual

De acordo com Donato Filho, da Volt, a proposta do governo de reduzir o prazo de concessão de benefícios para a micro e minigeração de energia pode ajudar a não agravar ainda mais o problema, mas não resolve a questão atual. Ele defende que é preciso trabalhar em soluções como o investimento na armazenagem de energia por meio de baterias.

“Hoje, as baterias têm de 50% a 60% de imposto no preço. Então, uma estratégia seria criar um programa de incentivo ao sistema de armazenamento por um período de dois ou três anos, durante os quais se reduziria toda essa carga tributária”, defende.

No ano passado, o governo chegou a planejar leilões para usinas de estocagem de energia, mas a iniciativa não foi concluída. A emenda enviada pela Fazenda ao Congresso prevê armazenamento, mas com foco no sistema hidráulico, com equipamentos que permitem o reuso da água de hidrelétricas.

Donato também afirma que é preciso incentivar o consumo fora dos horários de pico, colocando, por exemplo, uma tarifa mais baixa que seja atraente para o consumidor. Para tanto, seria preciso modernizar as normas técnicas e regras do sistema de medição, permitindo o uso de aparelhos capazes de registrar o horário do consumo e não somente o total diário.

VEJA TAMBÉM:

O que mais a Fazenda propõe

Além da redução no prazo dos benefícios para micro e minigeração distribuída, a emenda encaminhada pela Fazenda ainda traz outras propostas. Uma delas é a distribuição dos custos do curtailment até mesmo para quem participa da rede distribuída.

Muitos dos subsídios e das compensações ao setor elétrico acabam sendo pagos pelo consumidor comum. A Conta de Desenvolvimento Energético (CDE) é um exemplo. Trata-se de um fundo setorial para financiar políticas públicas para o setor, o que envolve – entre outras coisas – os subsídios e incentivos às solares e eólicas.

Por meio da CDE, os descontos no uso do sistema de distribuição e transmissão concedidos à geração distribuída são cobrados dos demais consumidores, que não têm painéis solares.

Fazenda quer reduzir os benefícios de transmissão

Outro ponto colocado pela Fazenda é a redução nos benefícios de transmissão. A rede brasileira é totalmente integrada. Assim, a geração das usinas eólicas, solares ou da rede distribuída, e de hidrelétricas, termelétricas, da rede básica, é transportada pelo mesmo sistema de linhas de transmissão e de distribuição.

A Fazenda propõe um teto de R$ 35/MWh a R$ 40/MWh para oferecer o desconto na transmissão, ou que haja uma redução gradual de dez pontos percentuais por ano, até sua extinção em dez anos. Segundo a pasta, em 2024 o subsídio foi de R$ 13,05 bilhões e, neste ano, pode chegar a quase R$ 17 bilhões.

Outro ponto é estabelecer um teto para a Conta de Desenvolvimento Energético, que, como mostrado acima, em parte é paga pelos consumidores e na qual são computados os incentivos oferecidos ao setor.

Saiba mais sobre a MP 1.304/2025

A Comissão Mista que analisa a MP 1.304 deve debater o relatório final do senador Eduardo Braga (MDB-AM) nesta terça-feira (28). A MP precisa ser aprovada e convertida em lei até 7 de novembro. Do contrário, vai “caducar” e perder efeito.

Inicialmente proposta para alterar leis relacionadas ao setor energético e ao mercado de gás natural no Brasil, a MP acabou absorvendo as medidas da reforma do setor elétrico, programadas inicialmente para a MP 1.300 – a qual se limitou à aprovação da nova Tarifa Social.



Source link

Deixe um comentário

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Artigos relacionados

Economia

Câmara aprova urgência para votar aumento do judiciário

A Câmara dos Deputados aprovou requerimento de urgência para o Projeto de Lei...

Economia

Governo desiste de “jabuti” para apresentar medidas contra rombo

Uma semana após o anúncio de que iria reenviar ao Congresso algumas...

Economia

Gmail tem 183 milhões de senhas expostas; saiba se a sua foi afetada

Um novo megavazamento de dados expôs cerca de 183 milhões de endereços...

Economia

Haddad diz que parte do PL “não dá nem para conversar” sobre medidas fiscais

O ministro Fernando Haddad, da Fazenda, afirmou nesta terça (28) que parte...