O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou nesta terça (11) que a Polícia Federal investigue suspeitas de desvio de recursos de emendas parlamentares repassados a Organizações Não Governamentais (ONGs) entre os anos de 2020 e 2024. A decisão foi tomada após o recebimento de relatórios da Controladoria-Geral da União (CGU) que apontam irregularidades em dezenas de entidades sem fins lucrativos no período.
De acordo com a CGU, os recursos suspeitos de gastos irregulares teria custado R$ 15,18 milhões aos cofres públicos, o equivalente a cerca de 4,5% do total auditado, por falhas graves de execução, ausência de controle e falta de transparência na aplicação do dinheiro público.
“Diante da recorrência e gravidade das improbidades, impõe-se a adoção urgente de medidas repressivas que promovam a responsabilização dos agentes envolvidos, quando cabível, bem como a recomposição dos danos causados ao Erário, como forma de restabelecer a integridade da execução orçamentária e assegurar a efetividade das políticas públicas atingidas”, escreveu Dino na decisão (veja na íntegra).
Flávio Dino destacou que o cenário “evidencia um quadro crítico de fragilidade na execução de emendas parlamentares por organizações da sociedade civil, marcado por falhas estruturais, ausência de governança, irregularidades contratuais e controle deficiente”. O ministro também alertou para os riscos de novas distorções no Orçamento de 2025, especialmente nas chamadas emendas coletivas.
“É inaceitável que, paralelamente aos esforços institucionais para erradicar práticas associadas ao ‘orçamento secreto’, persistam manobras individuais com vistas a burlar as determinações deste STF”, disse enfatizando que as irregularidades podem representar uma nova forma de desvio de recursos sob o disfarce de repasses legais a entidades do terceiro setor.
A investigação começou após uma determinação em agosto de 2024 para que a CGU auditasse todas as transferências de emendas destinadas a ONGs. Dos R$ 2,04 bilhões repassados entre 2020 e 2024, as primeiras análises foram feitas sobre dez entidades selecionadas entre 2,4 mil beneficiadas. As apurações posteriores ampliaram o alcance da auditoria até atingir 57 organizações em todo o país.
Foram examinados 245 instrumentos de transferência voluntária, dos quais 103 foram auditados, somando R$ 355 milhões — o equivalente a 67,3% do valor total destinado às ONGs e envolvendo 14 ministérios. A CGU identificou uma série de falhas, como projetos sem estrutura física adequada, carência de pessoal qualificado e ausência de mecanismos básicos de gestão e governança.
Em 41% das auditorias, as entidades não possuíam qualquer controle interno, como auditorias independentes, conselhos fiscais ou assessoria jurídica. Outras 20 apresentaram planos de trabalho incompletos, com descrições imprecisas de metas, atividades e cronogramas. Além disso, 16 ONGs não tinham instrumentos para avaliar a execução ou o impacto dos projetos financiados com dinheiro público.
Os auditores também encontraram indícios de favorecimento em contratações, com empresas e profissionais ligados aos próprios dirigentes das entidades. Segundo a CGU, “verificou-se, em diversas situações, que essas cotações apresentam indícios de terem sido elaboradas de forma combinada, acarretando elevação dos valores praticados nos planos de trabalho e prejudicando a finalidade do requisito para celebração dos instrumentos”.
As suspeitas de sobrepreço foram confirmadas em 23 das 34 auditorias mais recentes. Em 25 casos, as entidades sequer prestaram contas dentro dos prazos previstos, enquanto órgãos públicos também falharam ao analisar os relatórios técnicos e financeiros, descumprindo o que determina o Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil (MROSC).
“Tal quadro corrobora a necessidade de manter e aprofundar o diálogo interinstitucional voltado ao aperfeiçoamento dos mecanismos de controle e integridade na execução orçamentária, em estrita conformidade com os padrões de legalidade, transparência e normalidade republicana — condição indispensável para que se possa considerar concluído este processo estrutural”, completou Dino na decisão.
Além de oficiar a Polícia Federal para investigar a suspeita de desvio de recursos de emendas parlamentares pelas ONGs, Dino determinou que o governo e o Congresso se manifestem sobre o relatório da CGU e indiquem “providências para a superação das irregularidades identificadas, especialmente quanto às chamadas emendas coletivas (bancada e comissão).
Ele também deu 60 dias para que a Casa Civil reveja e corrija distorções nos projetos apresentados pelas entidades de “anomalias” que, segundo ele, “dificultam a aderência entre as emendas parlamentares e o planejamento governamental, o que viola deveres constitucionais”.


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