A remoção da biblioteca de 21 mil livros do poeta, crítico e tradutor Haroldo de Campos, antes preservada na Casa das Rosas, na avenida Paulista, motiva críticas de seu irmão Augusto de Campos, 93 anos, considerado o mais importante poeta vivo da língua portuguesa.
“Consta que foi transferida para Barueri, a pretexto de falta de condições locais. Mas foram também despedidos, sem mais aquela, funcionários competentes que dela cuidavam há anos. São 21 mil volumes de alta qualidade literária, artística e histórica que passam a ter dificultado o seu acesso, assim como os pertences de meu irmão que a acompanham. O governo tem o dever de explicar ao público essa conduta suspeita e sub-reptícia”, diz Augusto de Campos, um dos fundadores do grupo de poesia concreta, em São Paulo.
“Se a transferência pretende ser definitiva trata-se de um crime cultural inominável. Apelo à ministra da Cultura e ao Ministério Público para que atentem ao problema e atuem no sentido de coartar medidas arbitrárias que venham ferir o interesse público e atentar contra a informação e a educação não só de brasileiros, mas de muitos estrangeiros que vêm a São Paulo para consultar a biblioteca e as anotações de Haroldo. Ainda estamos aqui”, afirma o poeta.
Inaugurada em 1991, com programação artística e literária, a Casa das Rosas está localizada num casarão com jardim na avenida Paulista e integra a rede de museus-casas da Secretaria da Cultura, Economia e Indústria Criativas de São Paulo. É gerida pela organização social Poiesis.
Em nota à Folha, a secretaria da Cultura justificou a mudança: “Para garantir condições adequadas para a preservação da coleção de Haroldo de Campos, o acervo foi transferido para uma reserva técnica, que conta com o ambiente apropriado para preservar os itens. Assim como era feito quando o acervo estava na Casa das Rosas, a visitação e consulta aos materiais pode ser feita mediante agendamento”.
Desde 2004 a instituição incorpora o nome do poeta concreto —Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura. A retirada do acervo, finalizada em janeiro, despertou críticas de professores e pesquisadores de literatura, que lamentam o esvaziamento do espaço reaberto em outubro de 2023, depois de uma reforma de dois anos orçada em R$ 4,2 milhões.
Augusto de Campos conta que nunca foi procurado por nenhum funcionário da Casa das Rosas ou da secretaria de Cultura para discutir o destino do acervo do irmão. Se a decisão for mantida, a família não descarta a transferência para outra instituição, por rompimento de contrato.
Morto em 2003, Haroldo de Campos tem contribuições teóricas de repercussão internacional nos estudos de tradução, literatura, poesia, barroco, modernismo e vanguardas artísticas do século 20.
“Em um momento de crise dos repertórios eurocentrados, Haroldo de Campos fornece um modo de pensar. Não por acaso, o interesse internacional por sua obra é cada vez mais intenso. Haroldo faz cruzar uma interpretação potente da antropofagia oswaldiana com um renovado interesse pela tradução como dispositivo cultural”, afirma Nicollas Ranieri, doutorando em teoria e história literária pela Unicamp, com pesquisa sobre a obra de Haroldo de Campos como transformação do legado do poeta e crítico francês Stéphane Mallarmé.
“Sua biblioteca é a materialização disso. Uma coleção única no mundo todo que enfeixa uma série de interesses e só foi possível graças a circunstâncias muito específicas. Um espaço de crítica e criação que não permite qualquer indício de esgotamento”, diz Ranieri.

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