A Controladoria-Geral da União (CGU) identificou indícios de manobra contábil nos balanços da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT) que teriam reduzido artificialmente um passivo trabalhista estimado em mais de R$ 1 bilhão para apenas R$ 18. O apontamento consta em documento técnico da CGU obtido pela Gazeta do Povo.
De acordo com a análise dos auditores, os Correios registraram como simbólico o valor de 18 ações coletivas trabalhistas, atribuindo R$ 1 a cada processo, apesar de decisões judiciais que reconhecem direitos financeiros a empregados e sindicatos. A CGU avalia que o procedimento não observa normas contábeis e compromete a fidedignidade das demonstrações financeiras da estatal.
A redução bilionária foi motivada por um entendimento jurídico interno dos Correios. A estatal decidiu aplicar o instituto da “compensação” entre duas verbas distintas pagas aos carteiros motorizados: o Adicional de Atividade de Distribuição e Coleta (AADC) e o Adicional de Periculosidade (AP).
Os Correios alegaram que, como uma decisão judicial poderia anular a obrigatoriedade de um dos adicionais, a empresa teria “créditos” a receber que anulariam a dívida bilionária com os trabalhadores. No entanto, para a CGU, essa prática viola as normas contábeis brasileiras (CPC 25 e CPC 00), que proíbem a contabilização pelo valor líquido (netting). Segundo os auditores, essa manobra “esconde” o impacto real de eventos diferentes e reduz a transparência sobre os riscos financeiros da empresa.
O órgão de controle também questiona a compensação entre ações distintas, sem trânsito em julgado, prática considerada irregular do ponto de vista técnico e jurídico. Para os auditores, não há comprovação suficiente de crédito líquido e certo que justifique a baixa do passivo.
A CGU recomendou a revisão imediata dos lançamentos contábeis e alertou para o risco de impacto relevante nas contas da empresa caso as decisões judiciais sejam executadas integralmente no futuro.
Impacto Financeiro e Recomendações
Atualmente, os Correios possuem R$ 2,7 bilhões em provisões para processos judiciais já registrados no balanço. No entanto, há outros R$ 4,8 bilhões em “passivos contingentes” — ações com risco de perda considerado “possível” que podem virar dívidas reais no futuro.
A CGU emitiu recomendações rígidas para a estatal, incluindo:
- Correção imediata dos registros contábeis e reapresentação das demonstrações financeiras, restabelecendo a provisão de R$ 1 bilhão.
- Revisão dos cálculos, demonstrando de forma individualizada, por empregado, qualquer saldo que a empresa alegue ter a favor.
- Modernização tecnológica e aprimoramento da governança jurídica para evitar novos erros de avaliação.
Em resposta à CGU, os Correios afirmaram que as ações foram fundamentadas em pareceres jurídicos e aprovadas por conselhos internos. Contudo, a CGU manteve as conclusões, reforçando que a aprovação formal não anula os erros técnicos identificados e que a empresa tem até 180 dias para regularizar a situação das demonstrações contábeis.
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Crise financeira agrava cenário
O apontamento ocorre em meio à pior crise financeira dos Correios em mais de uma década. A estatal acumula sucessivos prejuízos bilionários, enfrenta dificuldades de caixa e anunciou recentemente medidas de ajuste, como programa de demissão voluntária e reestruturação operacional.
Técnicos ouvidos reservadamente avaliam que a eventual confirmação da irregularidade pode pressionar ainda mais a situação fiscal da empresa e reforçar cobranças por maior transparência na gestão.
A Gazeta do Povo tentou o posicionamento dos Correios para explicarem os critérios utilizados na contabilização do passivo trabalhista e informarem se pretendem revisar os balanços. Até a publicação desta matéria, não houve resposta. O espaço permanece aberto para manifestações.



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