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brasileiro está vivendo mais e poupando menos



O Brasil enfrenta um envelhecimento populacional acelerado sem o devido planejamento financeiro. Dados do IBGE mostram que a população com mais de 60 anos cresceu de 5,1% em 1970 para 15,6% em 2022. A projeção é de alcançar 37,8% em 2070.

O fenômeno é global, mas manifesta-se no Brasil de forma mais veloz do que o padrão para nações em desenvolvimento. Ao mesmo tempo em que os brasileiros estão vivendo mais, a taxa de natalidade despencou nas últimas décadas, o que reduz a parcela de crianças e jovens na população total.

Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam uma preocupante realidade: a sociedade brasileira – em níveis individual, familiar, empresarial e governamental – não está adequadamente preparada para essa nova era da longevidade.

“Países como a França levaram 120 anos para atingir uma proporção de pessoas com 50 anos ou mais que o Brasil atingirá em apenas 40 anos”, diz Clea Klouri, sócia da consultoria e agetech Data8.

O gerontólogo Alexandre Kalache, presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil e consultor da Bradesco Seguros, ressalta que a longevidade é uma das maiores conquistas da sociedade contemporânea, mas exige novo olhar: “É preciso entender que envelhecer não é apenas estar no futuro, mas viver o presente”.

Planejamento financeiro é fundamental para o futuro

Um dos fatores centrais para o despreparo do país frente ao envelhecimento populacional está na baixa capacidade de poupança. A taxa média em 12 meses foi de apenas 14,5% do PIB no fim do ano passado, o segundo menor valor desde o terceiro trimestre de 2021, de acordo com o IBGE. A taxa de poupança equivale à proporção da renda nacional que não é gasta em consumo, e sim acumulada.

Apenas 37% dos brasileiros tinham investimentos financeiros em 2024, segundo relatório da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima). Embora um terço da população afirme que economizou dinheiro no ano passado, menos da metade guardou esses recursos em produtos financeiros adequados.

O estudo também aponta que 82% das pessoas não aposentadas ainda não iniciaram uma reserva financeira para a velhice. A intenção de poupar para a aposentadoria está em queda, passando de 58% em 2023 para 53% em 2024. O percentual daqueles que nem sequer pensaram em começar uma reserva aumentou de 23% para 27%.

Instabilidade econômica e cultura dificultam planejamento financeiro

Antônio Leitão, gerente do Instituto de Longevidade da MAG Seguros, destaca que as frequentes crises econômicas e a instabilidade histórica desencorajaram o planejamento de longo prazo no Brasil.

O economista Eduardo Gianetti da Fonseca, autor de O valor do amanhã, observa também que culturalmente o brasileiro tem orientação voltada para o desfrute do momento presente, aceitando menos sacrifícios atuais em favor de benefícios futuros.

Essas características, combinadas com baixos níveis de educação financeira, dificulta a compreensão e a prática do planejamento necessário para uma vida mais longa. Um em cada oito brasileiros com ensino superior e 29% dos brasileiros entre 15 e 64 anos são analfabetos funcionais.

Envelhecimento populacional avança sem aproveitamento do bônus demográfico

Especialistas apontam que o Brasil não aproveitou adequadamente o bônus demográfico – período com alta proporção de pessoas em idade produtiva que ocorreu desde os anos 1960 até recentemente. “Foi um erro crucial”, afirma a pesquisadora Janaina Feijó, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

Investimentos essenciais em educação básica de qualidade e infraestrutura, que poderiam ter preparado melhor a população para a longevidade e aumentado a produtividade, foram insuficientes ou mal direcionados.

Segundo Leitão, a educação é fundamental para aumentar a produtividade, melhorar a empregabilidade e promover a mobilidade social entre gerações.

“O Brasil demorou a desenvolver políticas educacionais eficientes. Metas do Plano Nacional de Educação, como ter 35% das crianças de 0 a 3 anos na escola, não foram atingidas mesmo após o prazo previsto”, explica Feijó.

Apesar de ter contado com grande força de trabalho durante o bônus demográfico, o Brasil registrou aumento de produtividade de apenas 0,5% ao ano entre 1981 e 2024, segundo o FGV Ibre. Nos últimos cinco anos, a expansão foi ainda menor: 0,3%. “Isto está relacionado ao baixo investimento em tecnologia, inovação e ciência”, destaca Leitão.

Para combater o crescimento econômico mais lento esperado com o fim do bônus, é necessário aumentar a produtividade através de tecnologia, inovação e investimentos estratégicos, ressalta o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale. “O Brasil inova pouco e investe pouco nessas áreas.”

Houve também falta de investimentos em infraestrutura, que são essenciais para uma nova fase do bônus demográfico, que relacionada ao aumento da produtividade. Segundo Feijó, do FGV Ibre, não se aproveitou o período entre 2000 e 2010 – que coincide com o final do governo Fernando Henrique (PSDB) e quase todo o primeiro e segundo mandato de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) a para fazer isso. “Era um momento precioso que não pode ser mais recuperado”, diz,

A falta de priorização política da pauta da longevidade também contribui para o quadro. Em momentos cruciais, como eleições, iniciativas voltadas para a população idosa não recebem a devida atenção, em contraste com as voltadas para jovens ou crianças. Há uma falta de coordenação e articulação governamental para abordar a questão do envelhecimento populacional de forma integrada entre diferentes órgãos, diz a pesquisadora do FGV Ibre.

Ao longo dos últimos 20 anos, os investimentos públicos no Brasil tiveram a característica de serem “mal alocados”, destaca ela. Programas assistenciais muitas vezes eram descoordenados e a identificação dos indivíduos necessitados demorou a ser aprimorada (como com o Cadastro Único). “Por muito tempo, o Brasil gastou insuficiente e gastou mal”, ressalta.

“Dissonancia cognitiva” afeta população

Outro problema que vem à tona é uma “dissonância cognitiva” no comportamento brasileiro: as pessoas expressam preocupação com a segurança financeira na velhice, mas essa preocupação raramente se traduz em planejamento efetivo ou aquisição de produtos de proteção financeira.

A aposentadoria pública, que para 23 milhões de brasileiros tem média de R$ 1.831, é insuficiente para garantir vida digna, exigindo preparo individual que muitos não tiveram. O resultado é o crescimento da inadimplência entre os idosos.

O cenário também afeta a chamada “geração sanduíche”, que precisa arcar simultaneamente com despesas de filhos e de pais não preparados financeiramente, enfrentando sobrecarga econômica e emocional.

Este é o segundo capítulo da série de reportagens “Futuro ameaçado”, que mostra os desafios econômicos do envelhecimento da população brasileira.



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