A agrônoma e pesquisadora brasileira Mariangela Hungria, da Embrapa Soja, de Londrina (PR), é a laureada deste ano do Prêmio Mundial de Alimentação – World Food Prize (WFP), mais importante reconhecimento da agricultura, considerado uma espécie de “Nobel” da área.
O anúncio de sua nomeação ocorreu na noite desta terça-feira (13) na sede da Fundação World Food Prize, nos Estados Unidos. A solenidade de entrega do prêmio será realizada em 23 de outubro, na cidade americana de Des Moines.
Com mais de 40 anos de pesquisas no desenvolvimento de tecnologias em microbiologia do solo, Mariangela trabalha principalmente com microrganismos que auxiliam na fixação biológica do nitrogênio, reduzindo a necessidade do uso de insumos químicos.
Conforme seus estudos, o uso da inoculação na soja com bactérias fixadoras de nitrogênio (Bradyrhizobium) pode ser ainda mais benéfico se associado à coinoculação com a bactéria Azospirilum brasiliense. Segundo suas estimativas, somente em 2024, essa tecnologia propiciou uma economia estimada de US$ 25 bilhões, ao dispensar o uso de adubos nitrogenados.
O valor é calculado considerando a área plantada e a produção de soja, o valor do fertilizante (ureia) que seria necessário para essa produção, e a eficiência de uso do insumo nitrogenado. Mariangela explica ainda que a tecnologia evitou, no ano passado, a emissão de mais de 230 milhões de toneladas de CO2 equivalentes por ano para a atmosfera. Hoje o Brasil é líder mundial no uso de processos biológicos no campo.
“Isso é maravilhoso, mas pode ser ainda melhor, porque apesar de sermos líderes, temos uma média de 10% a 15% da nossa agricultura com biológicos, o resto ainda utiliza químicos”, diz a pesquisadora.
No caso da soja, o uso de microrganismos pode substituir totalmente os adubos químicos, um potencial promissor considerando a dependência brasileira de fertilizantes importados. “Em outros casos, a substituição é parcial, mas, se pensar no preço e no impacto ambiental, as vantagens são significativas”, diz.
Para a cultura de milho, que também vem adotando de forma crescente o uso de produtos biológicos, o agricultor pode economizar cerca de 25% do uso de produtos químicos, segundo Mariangela.
Nas pesquisas lideradas pela cientista, já há bactérias selecionadas e eficientes para diversas outras culturas, como feijão, ervilha, crotalária, trigo, arroz, cevada e até pastagens de gramíneas, como braquiárias, utilizadas na alimentação animal.
Interesse por pesquisa com microrganismos começou na infância
À Gazeta do Povo, a laureada conta que a vocação para a carreira começou quando ainda era criança, aos 8 anos de idade, quando ganhou da avó, professora de ciências, o livro Caçadores de Micróbios, de Paul de Kruif. “Me encantei com o livro e falei que queria ser microbiologista, porque me afetava muito ver pessoas passando fome”, lembra.
Em 1976, ao concluir o científico (atual ensino médio), decidiu cursar agronomia na Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq), em Piracicaba. “Na época, a profissão era predominantemente masculina e a gente vivia a chamada revolução verde, um processo liderado por Norman Borlaug, que ganhou o Nobel da Paz, que tirou milhares de pessoas da fome com a visão de que aumentar a produção de alimentos passava pelo melhoramento das plantas e de fertilizantes químicos”, diz.
Na faculdade, Mariangela conta que já queria seguir um caminho alternativo: aumentar a produção de alimentos, porém por meio de insumos biológicos. “Todas as pessoas falavam que seria inviável. Pensavam que poderia servir para uma horta comunitária, uma agricultura orgânica, mas que jamais seria possível usar biológicos em uma agricultura de larga escala. E eu queria que servisse para todos os tipos de cultura”, conta.
“Então sempre trabalhei com microrganismos, na graduação, no mestrado, no doutorado”, afirma. “Sempre na linha de microrganismos que tivessem processos que pudessem substituir total ou parcialmente os fertilizantes químicos.”
“Hoje há uma demanda enorme por produtos biológicos e para nós, da pesquisa, ficou mais fácil oferecer outras soluções para o agricultor, porque ele está muito aberto a essas soluções”, diz.
Pesquisadora é a quarta brasileira a ganhar Prêmio Mundial da Alimentação
Concedido anualmente, o WFP foi criado, em 1986, por ideia de Norman E. Borlaug, vencedor do Prêmio Nobel da Paz, em 1970, por seu trabalho na agricultura global. O objetivo é homenagear contribuições para o incremento no suprimento mundial de alimentos.
O laureado de cada edição recebe US$ 500 mil e uma escultura projetada pelo artista e designer Saul Bass. Três brasileiros já foram agraciados com a honraria. Em 2006, os agrônomos Edson Lobato e Alysson Paulinelli dividiram o prêmio com o colega estadunidense A. Colin McClung, pelo trabalho no desenvolvimento da agricultura na região do cerrado.
Em 2011, o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), juntamente com o ex-presidente da Gana, John Kufuor, foram escolhidos por sua atuação no combate à fome como chefes de governo.
Prêmio destaca trabalho da Embrapa na pesquisa agropecuária
O presidente do comitê de seleção dos indicados ao prêmio, Dr. Gebisa Ejeta ressaltou que a pesquisadora foi escolhida por suas “extraordinárias realizações científicas na fixação biológica que transformaram a sustentabilidade da agricultura na América do Sul”.
“O seu brilhante trabalho científico e a sua visão empenhada no avanço da produção agrícola sustentável para alimentar a humanidade com o uso criterioso de fertilizantes químicos e insumos biológicos deram-lhe reconhecimento global, tanto no país como no estrangeiro”, declarou.
O trabalho da cientista brasileira também foi ressaltado pela governadora do estado de Iowa, Kim Reynolds. “A trajetória da Dra. Hungria mostra que ela é uma cientista de grande perseverança e visão – caraterísticas que partilha com o Dr. Norman Borlaug, fundador do Prêmio Mundial da Alimentação e pai da Revolução Verde”, afirmou.
“Como cientista pioneira e mãe, a Dra. Hungria também serve como um exemplo inspirador para mulheres pesquisadoras que buscam encarnar ambos os papéis. As suas descobertas e desenvolvimentos contribuíram para levar o Brasil a tornar-se um celeiro mundial”, destaca.
Para o chefe-geral da Embrapa Soja, Alexandre Nepomuceno, a indicação da pesquisadora ao prêmio coroa a trajetória de excelência da pesquisa agropecuária de Mariangela faz. “Posso dizer que é um privilégio para a Embrapa Soja ter a Mariangela atuando ativamente em prol da ciência agrícola, e mais, trazendo soluções para desafios complexos da sojicultura e resultados práticos que realmente impactam a vida dos produtores”, diz.
A presidente da Embrapa, Silvia Massruhá, também celebrou a conquista. “Considero esta uma homenagem dupla — e profundamente significativa. Primeiro, à nossa colega pesquisadora, uma mulher que dedicou sua trajetória à ciência, acreditando no poder dos microrganismos para transformar a agricultura em uma atividade mais produtiva, competitiva e sustentável. Segundo, à nossa empresa, que em seus 52 anos sempre investiu e acreditou nesses ideais”, afirma.
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