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Congresso pode desidratar medida que sobe taxação


O Congresso Nacional pode ser uma pedra no sapato do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para aprovar a Medida Provisória 1303, a “MP Taxa Tudo”, tida pela equipe econômica como essencial para garantir as metas fiscais do próximo ano.

Enviada em junho ao Legislativo, a MP buscava compensar perdas arrecadatórias com a derrubada do aumento do IOF, mas foi mantida mesmo com a confirmação da alta no imposto pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O prazo para a deliberação da matéria se encerra na quarta-feira (8) e, caso não seja votada até lá, as medidas deixam de ter validade. Em vigor desde 11 de junho deste ano, a MP estabeleceu a tributação de títulos incentivados (LCI, LCA, CRI, CRA e outros) em 5%, a alíquota uniforme de 17,5% sobre várias aplicações financeiras, o aumento da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das fintechs de 9% para 15% e da taxação das casas de apostas (“bets”) de 12% para 18%.

A medida se encontra em análise na Comissão Mista do Congresso, e o relatório do deputado Carlos Zarattini (PT-SP) – que fez alterações em relação à proposta original – tem votação marcada para esta terça-feira (7). Depois, a MP ainda depende do aval dos plenários da Câmara e do Senado para que seja convertida em lei.

Uma das principais mudanças propostas pelo relator foi elevar a alíquota sobre LCIs e LCAs de 5% para 7,5% (veja mais adiante as mudanças propostas por Zarattini).

O governo tem encontrado resistência para avançar com a pauta no Legislativo e já cogita abrir mão de algumas das mudanças propostas pelo relator para aprovar a maior parte da matéria e garantir alguma arrecadação extra.

De acordo com a Instituição Fiscal Independente (IFI), entidade vinculada ao Senado Federal, o impacto das medidas iniciais propostas pelo governo garantiria uma arrecadação adicional de R$ 19,4 bilhões em 2026.

Felipe Salto, economista-chefe da Warren Investimentos, afirma que a MP 1303 tem potencial arrecadatório relevante, mas que as desidratações em curso devem reduzir a receita prevista.

“O governo aposta nesta e em outras ações em tramitação para poder garantir a meta fiscal do ano que vem, que é um superávit de R$ 34,3 bilhões. Esse objetivo, contudo, dificilmente será alcançado, conforme nossas projeções aqui na Warren”, diz Salto.

Erich Decat, analista político da Warren, afirma que a aprovação na “bacia das almas” antes de caducar na quarta-feira, revela que a situação é bastante distinta daquela presente nas discussões da reforma da renda na semana passada.

Ele afirma que, desta vez, o conteúdo do texto da MP está sendo esvaziado em ritmo acelerado. “O relatório do deputado Carlos Zarattini deve sair ainda mais desfigurado até a votação, tanto na comissão mista quanto no plenário da Câmara”, avalia.

Segundo Decat, o desmonte da MP vai abrir um flanco de dúvidas sobre o equilíbrio fiscal do governo, já que a medida foi apresentada como peça-chave para tentar fechar o Orçamento de 2025 no azul.

Arrecadação esperada pelo governo não é garantida

De acordo com o advogado tributarista Alexandre Roesler, da RCA Advogados, mesmo que seja aprovada em sua maior parte pelo Congresso, não há garantias de que haverá a alta prevista para a arrecadação.

Ele pontua que o comportamento dos investidores tende a se ajustar rapidamente, sendo que parte poderá migrar para produtos não tributados, para o exterior ou para estruturas mais complexas de planejamento. “O resultado pode ser o oposto do pretendido, com redução de arrecadação e fuga de capitais, afetando a liquidez e o dinamismo do mercado doméstico”, afirma.

FPA é contrária à taxação de Letras de Crédito do Agronegócio

No Congresso, uma das principais resistências à MP vem da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), comandada pelo deputado Pedro Lupion (PP-PR). Desde a edição da MP, a entidade tem se posicionado contra o aumento da tributação das Letras de Crédito do Agronegócio (LCAs), pelos efeitos negativos na composição do crédito agrícola.

Lupion afirmou que a FPA apresentou alternativas e se manteve aberta à negociação, sem que houvesse qualquer mudança nos planos do governo ou do relator nesse sentido. Zarattini, inclusive, aumentou a alíquota sobre os títulos incentivados em seu relatório — apesar de ter mantido CRIs e CRAs isentos de imposto.

“A MP 1303 possui pontos que nós apoiamos, mas, na questão setorial e na composição do crédito agrícola, nós queremos que continue isento. Seremos sempre oposição ao aumento de taxas e impostos de qualquer natureza”, acrescentou.

Fintechs também se pronunciaram contra a MP 1303

Outro ponto de resistência à MP 1303 diz respeito às fintechs. A proposta do governo buscou aproximar a alíquota da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) das fintechs à dos bancos tradicionais, que é de 20%. Com isso, promoveu uma alta de cerca de 66% na tributação, que saiu de 9% para 15%.

Em agosto deste ano, a presidente do Conselho da Associação Brasileira de Internet (Abranet), Carol Conway, afirmou que a MP, na verdade, afeta as pessoas mais vulneráveis, que não têm acesso aos bancos tradicionais.

“A MP aumenta em 60% a tributação da recepção de investimentos e em 65% os tributos dessas empresas. O ministro falou que estava tentando pegar o andar de cima, mas, na verdade, ele está pegando o andar de baixo, que são essas pessoas que não têm acesso (à bancarização), nunca tiveram e que dependem de uma conta digital, dependem de uma maquininha para aceitar seus pagamentos”, afirmou a executiva.

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Uniformizar alíquotas desestimula investimentos de longo prazo

Alexandre Roesler ainda avalia que a uniformização da alíquota sobre investimentos em 17,5% carrega um risco concreto de desestimular investimentos produtivos e de longo prazo, pois ignora que a natureza dos investimentos varia conforme o prazo, o risco e a função econômica do ativo.

Colocar no mesmo patamar um fundo de longo prazo e uma aplicação de curtíssimo prazo é, na sua visão, uma distorção conceitual. “Em vez de promover equidade, a medida nivela por baixo e compromete o papel de estímulo que determinados incentivos cumprem na economia”, disse.

O tributarista também pontuou que os investidores tomam decisões com base em regras de isenção ou de alíquota regressiva que vigoravam no momento da aplicação e que alterar essas condições, ainda que apenas para novos títulos, cria incerteza sobre a estabilidade das normas e desestimula a previsibilidade necessária para o funcionamento do mercado financeiro.

“A confiança, nesse contexto, é o ativo mais valioso e é o primeiro a ser corroído por medidas arrecadatórias precipitadas”, comenta. Deste modo, a justificativa de “justiça tributária” do governo soa mais como um argumento político do que econômico.

MP 1303: o que o governo propôs e como ficou o parecer do relator

Veja as principais medidas propostas pela MP e as mudanças realizadas pelo relator:

Alíquota unificada e padrão

Texto original do governo: estabelece a alíquota de 17,5% do Imposto de Renda Pessoa Física (IRPF) e do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) para a maioria dos rendimentos e ganhos de capital no mercado financeiro, substituindo o regime de alíquotas regressivas que variavam de 22,5% a 15%.
Os ganhos líquidos obtidos em negociações de aplicações financeiras nos mercados da bolsa e de balcão organizado no país também ficam sujeitos a esta alíquota. A mesma alíquota é aplicada aos ganhos com ativos virtuais no Brasil e no exterior, fundos de investimento específicos e participações.

Relatório de Zarattini: manteve a tarifação. O relator ainda criou o Regime Especial de Regularização de Ativos Virtuais (RERAV), destinado à regularização voluntária de ativos virtuais de origem lícita que não foram declarados ou foram declarados com incorreção, detidos por residentes no país até 31 de dezembro de 2025. A adesão a este regime exige o pagamento integral do Imposto sobre a Renda à alíquota definitiva de 7,5% sobre o valor de mercado.

Títulos incentivados e alíquotas

Texto original do governo: antes da MP, os títulos incentivados eram isentos de tributação. A partir de sua edição, LH, LCI, LCA, CRI, CRA, CDCA, LCDs e debêntures de infraestrutura passam a ser taxados à alíquota de 5% para pessoas físicas, a partir de 1º de janeiro de 2026.

Relatório de Zarattini: propõe a alíquota de 7,5% para Letras Hipotecárias (LH), Letras de Crédito Imobiliário (LCI), Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e Letras Imobiliárias Garantidas (LIG) para pessoas físicas.
Além disso, o relator manteve a isenção atual do Imposto de Renda (na fonte e na Declaração de Ajuste Anual) para Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI), Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA), Certificados de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA) e Cédulas de Produto Rural (CPR) com liquidação financeira.
Zarattini também manteve a isenção para FIIs e Fiagros que cumpram as regras de mercado (acima de 100 cotistas e limite de participação).

Seguro-defeso

O seguro-defeso é um benefício pago pelo governo federal a pescadores artesanais profissionais durante o período de defeso — época em que a pesca é proibida para a reprodução de espécies aquáticas.

Texto original do governo: estabelecia que a concessão dependeria da homologação do registro pelo governo municipal ou distrital, sem novos requisitos de fiscalização, como a geolocalização.

Relatório de Zarattini: retirou a competência dos governos municipais/distritais e atribuiu ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) o recebimento e processamento dos requerimentos. Além disso, instituiu ferramentas de fiscalização tecnológica (biometria e geolocalização) e comprovação mensal de atividade, visando coibir fraudes.

Alíquotas de CSLL e JCP

Texto original do governo: propõe o aumento da CSLL para instituições de pagamento e fintechs de 9% para 15%. Já para as sociedades de crédito, financiamento e investimento, a alíquota do tributo passa de 15% para 20%. A MP ainda prevê o aumento do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) sobre Juros sobre Capital Próprio (JCP) de 15% para 20%.

Relatório de Zarattini: manteve esses aumentos.

Apostas de quota fixa (bets)

Texto original do governo: aumentou a destinação para a Seguridade Social em 6%, elevando a alíquota para 18% do Gross Gaming Revenue (GGR), que é a receita bruta das bets após os prêmios pagos.

Relatório de Zarattini: manteve o aumento, mas alterou a destinação do produto da arrecadação, alocando 1% (anteriormente do Ministério do Esporte) para a Comissão Desportiva Militar do Brasil (CDMB).



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